ALERTA: Textão de desabafo - foi necessário.
Não foi fácil. Não está sendo fácil. Infelizmente não vai ficar mais fácil. Não vai melhorar; não agora.
Tem dias que é difícil ter pensamentos positivos. É difícil se manter otimista quando a realidade bate na tua cara e mostra o que de fato está acontecendo. Às vezes tenho inveja dos ignorantes. Nota: segundo o dicionário, a definição de ignorante é aquele que desconhece a existência de algo; que não está a par de alguma coisa. Assim, para aqueles que estão sempre felizes nas redes sociais e querendo mostrar o lado bom da quarentena, na minha visão parecem estar a par da realidade. A quarentena não tem lado bom. Desculpe, não tem. Tudo é, sobretudo, triste. Não consigo romantizar a ideia de que a pessoa só está tendo tempo para a família porque o trabalho e a rotina a obrigou a ficar em casa.
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Às vezes o desânimo nos ataca de uma maneira, que a gente larga tudo por fazer, até as pequenas coisas que a gente ama. Tirinha por: @aqueleeitaoficial (Instagram) |
Passar por isso é angustiante. Eu e o Murilo estamos bem por aqui. O Canadá foi um dos países que tiveram uma rápida resposta diante da pandemia e entramos em quarentena total logo no começo do mês de março de 2020. Tudo fechou. Os lugares ficaram vazios. As aulas foram canceladas. Muitos puderam trabalhar de casa. Outros perderam o emprego. O Governo Canadense ajudou muita gente. Muito dinheiro foi distribuído. No começo a cidade de Toronto parecia uma cidade fantasma. Ninguém nas ruas. Os transportes públicos vazios. E mesmo assim os números de infectados só aumentavam. Mais mortes todos os dias. Medo. Angústia. Solidão. Até que o pior passou. Ou pelo menos parece ter passado. O governo começou a relaxar a quarentena. E as pessoas nas ruas passaram a relaxar ainda mais. Tiveram aglomerações e muita gente sem noção. Lotando parques e lugares. É, nenhum lugar é perfeito e eu reconheço isso. Às vezes eu deixo dois ou três ônibus passarem porque tem muita gente lá dentro, e eu tenho medo de entrar.
Eu me preocupei muito com a gente. Sozinhos em outro país. Sem a família. Recomeçando a vida. Construindo tudo aos pouquinhos. E de repente essa situação... que passou! Demorou, parecia sem fim e impossível, mas passou. O problema é que aquele nó na garganta ainda está aqui. Antes seu temia por mim, pelo Murilo. Agora eu temo pelos meus queridos, que deixei no Brasil.
Há minutos eu deletei o Twitter do meu celular, pois eu não aguentava mais ler a realidade do meu Brasil. Mais de mil mortes POR DIA. Todos os dias. Pessoas não acreditando na real gravidade da pandemia. Pessoas furando a quarentena e incentivando outros a fazerem o mesmo. Pessoas relativizando o vírus e o contágio. Pessoas tendo a capacidade de espalhar mentiras. Pessoas idolatrando outras pessoas que mereciam ser ignoradas. Pessoas ignorantes, a par da situação. Eu deletei o Twitter porque nas últimas semanas eu li diversos relatos de pessoas que perderam todos os entes da família em questão de dias. DIAS. A cada relato eu desmoronava. Todas as noites eu choro pelos meus pais, meus avós, e por todas as pessoas que me são queridas e que tenho saudades. Eu tenho medo. Medo de nunca mais poder ver aquela pessoa, caso o pior aconteça.
Quando 2020 chegou eu prometi a mim mesma que iria me comportar diferente. Ia curtir mais a minha nova vida sem me preocupar tanto, sem ser paranóica com os meus estudos e trabalho. Eu queria sair mais, andar por aí, descobrir novos lugares, fazer novas amizades, tirar mais fotos, deixar o meu cafofo mais confortável e, acima de tudo ser mais otimista. Tudo começou de uma forma ótima. Janeiro foi cheio de passeios inusitados e muita expectativa. Fevereiro começou com o Murilo tirando a Drivers License dele (a carta de motorista canadense) e com muitos planos para que meus pais e minha irmã viessem me visitar. Eu já tinha pesquisado tudo: a juntada de documentos para eles tirarem o visto de turismo, o preenchimento dos imensos formulários, já tinha pesquisado lugares para eles ficarem e eu até tinha construído um mini roteiro de passeios que faríamos todos juntos. E então a realidade destruiu toda e qualquer expectativa. Eu queria tanto ver meus pais.
O ano de 2020 está sendo tudo aquilo que todo mundo temia: horrível. Para todos. Para o mundo. Mas aqui, eu tenho que dizer que esse ano é necessário, como um tapa na cara da sociedade. Não é bom, muito pelo contrário! Mas necessário. A maioria dos seres humanos somente aprende com os erros e com as consequências dos próprios atos. Tratamos mal o mundo. Tratamos mal a natureza, não cuidamos e nem a preservamos. Tratamos mal uns aos outros. Tratamos mal aqueles que nos amam. Tratamos mal nós mesmos. Eu sinto muito. Sinto muito por todos aqueles que perderam muito. Ou pior, perderam tudo. Eu não consigo imaginar tamanha dor.
O modo de viver mudou e provavelmente não voltará a ser como era antes. Algumas pessoas brincam que devemos cancelar o ano de 2020. Mas não tem como e precisamos aprender a passar por ele. Querendo ou não. A gente que lute.